Porta de dúvidas e desejos
Cala estas manias de foliar com o tratado. Veste sua boca com tudo já dito, faz pequena para não repetir nosso engano. Se te partiu a dúvida de estar, decide na solidão que forjou, encontra em si a coragem precisa. Te quero das lembranças poentes, dos passeios incertos quando acabavam em prazer, em camas desarrumadas, tapetes tortos, taças vazias, cheiros de tez. Me conchega em suas ideias, lembra que sou peregrino, festa inédita a tramar. Se acende um pavio escondido, faz à minha revelia, é seu o enredo, o adágio solo a justificar nossa dor. É você o mistério da origem, sua lida a parte de mim que te dei. Devolve. Se sufoca o sorriso estragado, me devolve.
Sinto a aflição do decurso no talhe sem cor, na noite clara, na vela vertida, farta de luz. Quero fugir deste sonho, agarra-me o corpo por dentro, atrapalha o coração de tocar. Não hesita, fecha esta porta brincante e escolhe seu lado. Me conta sua parte querida, compartilha o ânimo evidente, imita verdades e segue assim. Flerta com as ilusões queridas, seus prazeres contidos. Sente tudo a seu largo e me carrega em carinho, empresta a emoção que roubou.
Durmo em braços de espera, pressinto enrolada de mim, engasgo em orgasmos de lençóis encardidos, de penumbras fingidas. Retumbam os ouvidos de paixão e te gozo ausente. Agarro seu cabelo teimoso, um beijo nasce ardente, com a força de entrar por sua boca e amorar, lá dentro, onde me esqueço.
Você ainda me olha em viés, em afazeres de dessaber as vontades, de querer sua escolha. Me devolve. Saberei esquecer meu amor, farei meu coração pequenino para sentir pouco quando for. Leva tudo que sou. Este dia caminhará no passado, então lamberei as memórias sofridas, serão as alegrias do último passo, aquele momento minúsculo, quando meus olhos afogados te viram chegando, mas você ficava menor a cada passo e te reparei de costas, miúda de ir. Tentei me agarrar em sonos, me embriagar de todas as garrafas, juntar as lembranças para fazer de sua ausência o real de tão densa. Fantasiei tudo em espelho, um sorriso querente me enganou. A porta vazia. Um retângulo oblíquo de madeira enfadonha. A escolha desfeita.
Ainda trago fantasias errantes. Te invento em artimanhas pequenas, te vivo em momentos estranhos, choro por qualquer lugar. Traz-me, na mentira que abuso, uma flor de cada jardim, seca de pétalas, colhe. Quando passar por caminhos de praça e escutar o barulho das folhas quebrando sob seus pés, cala minha nudez tímida, que um dia ousou te ter.