Esboço em dois tempos
Atualizado: 9 de fev. de 2021
[improviso v]
Te desenho de única lembrança, posto que não te guardei em nada. Traço em suaves deslizes, consulto desejos para escolher o próximo, para folhear meu esboço tímido e achar outro ângulo a te mostrar crescente, faço seu queixo quadrado, demais, te apago mais uma vez, a face externa da mão te resvala acanhada e você foge do papel. Te ilumino e vejo tantos começos, quero uma linha ligeira e contínua, delinear seu arquejo e oferecer um sopro a mais a te libertar, mas toco cada vez uma parte de seu rosto, a ponta inquieta, agora são íris desatentas, me esquecem, seu perfil nasce livre e sigo seu pescoço em curva quase oculta pelos cabelos presos, a linha ameniza e evito seu corpo, troco o lápis.
O traçado dos olhos é ligeiro, para que não me veja e eu consiga manipular, o encanto, Lara, quando imaginei sua boca o dedo tocou leve, trouxe sua cara arriscada, passei delicado pela curva que acolhe seus lábios, contornei primeiro a parte inferior e notei uma linha contida, te concedia a espera de um sorriso. Espalho a tentação, rabisco sólido demais se ainda me deduz. Uma sombra imita, desbota seu cheiro, quando refiz seu pescoço rocei seu ouvido, te perguntei o perfume, Lara, para apelidar de você, nem ouvi. Quero rever seu maxilar, atenuar, seus cabelos soltos, quando puxei você gemeu, sua fome me penetra, apago, quero você mais pálida, de modo que não me deseje.
Delineio seu corpo, hesito muito, sinto sua pele aparecendo tremida, arrepiada, o lápis macio, faço suas costas com uma curva lenta até desvendar a silhueta, senti seu dorso teso, segurei sua cintura, te virei sem ver seus olhos, dedilho seios pequenos, tirei sua blusa, você levantou os braços, circulou meus ombros apenas para manter, conter meu gesto ávido de moderação, oscilo sua cabeça minusculamente, descrevo a linha do queixo, ainda em vulto, te revelo, ágil, você iludiu o receio e mordeu minha boca, seca, tocou com os seus meus lábios vidrados, nem toque, a sensação, sua respiração embaçou meu rascunho, reforço o fio. Me afastei para te constatar, Lara, você me provocou nua, única lembrança quando te vi inteira, suas mãos dançaram em meu pescoço, que me desmancharia, desenho pernas fortes, tomei seus quadris e te admirei, longos segundos a percorrer seu corpo detalhado, sem rasuras, rabisquei o prazer. Você parece esperar um movimento inexistente, sentou-se em minhas pernas, as suas abertas, de frente, seus braços repetem, de modo me embrulhar o papel decorado. Senti seus seios em meu peito e ilustrei enfim seu olhar, perto, demais.
O lápis quebrado contém seus traços, mesmo imaginados. Você sabe, Lara, tenho esta mania de me apegar ao inacabado, à linha inexistente, a ponta cega me revelaria melhor, como se assim fingisse melhor, ou me inspirasse o desencontro do contorno, incontido, a fresta por onde fugir não te suportaria detalhada, Lara, minha mão trêmula queimando inícios, a sua já seguraria minha ausência, riscada em sua ponta quando me virei.
[São dois textos. Você pode ler apenas o passado também, e me contar depois.]
Extremamente você!!
Doce e sensual sem ser vulgar.
A sua maneira de escrever é única.
A gente se perde nas palavras para se encontrar no sentido.
Seus gerúndios, particípios e infinitivos salpicados de forma pouco convencional dançam na nossa mente e fazem lindas construções.
A pontuação meio louca confunde e apaixona!
Já me acostumei tanto com seu jeito que imagino vírgula onde não existe:
“- ... hesito, muito ...”
Só imaginei. Não sei por que você não colocou. Seria mais você.
Lara é apaixonante!!!
Sempre vibrando com seus escritos!
Ela também! Com certeza!
De onde estiver...