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Marcelo Pimenta

Letras e números

Atualizado: 9 de fev. de 2021


[improviso vi]


Viesse uma letra e poderia contar as frases até te encontrar. As ruas, Lara, seriam números brincando de aleatório e te veria em uma janela, uma sacada, poesias caindo de jardineiras, toalhas bordadas de melodias desanimadas, como em festejos retóricos, e te olharia da rua sem nome, a casa combinando algarismos, Romeu mudo, meu mundo ali estático, até você bocejar, acordar um gesto e eu veria a letra, talvez ao som daquela música de banda, talvez a qualquer nota se movesse apenas lento, o gesto escondido nas preguiças da vida, nas poeiras em seus braços, o parapeito imundo, seus vestígios, pode você nem se vestir de cores, morar em números, mas eu te contaria.


Caminho contando aos passos, pedras, as janelas ficaram camufladas, os números atônitos, mas calei, Lara, para reservar meus ouvidos, suas mãos em aceno leve, ouviria o ar cortado, uma parede te concederia a única dança sem reflexo, sem par, eu ouviria espantado, a cabeça em círculos duplos, semicírculos lépidos, para te surpreender, Lara, te buscar em sua inquietude, a parede branca, poderia riscá-la de mim, me marcar, uma silhueta negra, como o pano velho por onde correram os dados, naquele caixote calçado onde todos apostaram, eu apenas contei, os dados rolaram em rodopios cúbicos, você em movimentos bruscos ao se retirar da sacada.


Não sei contar seu número, somo, divido, subtraio, sua mão espalmada escondeu, na parede onde estaria a insígnia, em minha sombra, apenas vi, Lara, apenas eu vi seus olhos traídos, pasmados por te mostrar a largura, para chegar em mim se nem sei de onde vim. A meio caminho, depois, depois me senti cansado, você mora onde as águas param, onde para antes de finalmente olhar a rua e vê-la acima, ladeira acima, a meio caminho não parei, mesmo parada a água, foi uma tempestade, seu bailado caindo em letras, algumas não entendi, a palavra encolhida, nem me entendi e percebi a dança, entrei e molhei meus pés na poça, a barra da calça, pingos roçaram minhas mãos, as mesmas que usei para te acenar, que volto, Lara, que fico por ali a pressentir seu verso, o meio termo atenua o som, cerceia o gesto, mas baila-se também em silêncio, contando compassos, números repetitivos, as mãos tocam o risco apagado, os olhos procuram a tinta branca no chão.

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