Sê-lo e não selo
Atualizado: 9 de fev. de 2021
[improviso vii]
Chegou atrasado, corri à caixa de correio e nada, o barulho da tampa um estalido metálico, fecha, espera. Ouvi quando foi postado, sei de seus traços, conheci pelo selo, sabe, escuto o barulho do sê-lo, dessa vez, e nem sei seu nome, quis, mas fico aos desmandos da porta. A aflição quando encosta, eu vejo, sinto deslizando suave, a face delicada aceita o toque, não sai, talvez você quisesse desistir, deixar sem perguntas e eu nem te ouviria, você não me conhece, vê-se bem, percebo o selo aceito, eu não preciso ver o carteiro chegando.
Todo papel é vazio até conhecer-se em nome, todo correio é de mim envelope, todo sê-lo é inverossímil. Te aviso antes de abrir, não, não quero me decepcionar outra vez, ouvir um sussurro, foi em meu ouvido, apenas me ouvi lendo, nem selo, não ouvi se cola. Todo papel é rascunho até não ter nome, todo sê-lo é distante, quando chega já o endereço errado, destinatário desconhecido, e volta, não sei seu nome.
Tenho, amontoado, fica em um aparador no escritório, os desenhos, My Funny Valentine, quando desenho você foge das letras e baila, você em selo, não sei desenhar. Alguns papeis são trocados e mesmo assim, sem cadência, mesmo assim rasgo, sem ver, em você sê-lo. Corri à caixa do correio e me enchi de música, selo em melodia. Todo papel dança ao vento, até que acaba, até cair em qualquer lugar, sem sê-lo. Todo papel plana e sonha, sonho de papel é espera, se de letras, se embrulha sons, se abre em tela branca e se enche de imagens, nem selo, nítida, desenha o ar, o vento dança My Funny Valentine, dança o retrato parado, ao sê-lo.
Desvela o selo, apenas vejo, os olho meus, infinitos, encolhendo, você imagina o movimento, descreve, eu acompanho porque sei que, sem sê-lo, poderei te ver no papel, rasgo a estampa fina, nada vejo, eu não sei o seu nome, o que recebo são meus recados invertidos, o sê-lo riscado, sem selo, para você, se não vi, se apenas descrevo, a música muda e volto à janela, stay little Valentine stay, o barulho de um pedaço voando, poderia cair em mim, se fui eu, se foi você, por sê-lo me recebeu de volta, a sua janela, sua caixa não dança, nem descreve se não me conhece, seu destinatário não existe, não quis selo, e você desenhou duas faces, idênticas, uma sorrindo e outra.
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