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Apagadas

Atualizado: 9 de fev. de 2021



As pegadas que me seguem são as minhas, reconheci pela pisada torta, o pé irreverente querendo me levar em círculos, talvez leve, se assim for, talvez me explique. Vi também que caminhei só, rastros me encontraram e logo desistiram, os desvios em marcas leves, quase apagadas, não eram minhas suavidades, minhas aventuras sortidas, era você em desencanto surrado, era você delinquente, de mim. Outras trilhas rasgaram a areia, rasgo de mar quando vi as águas seguirem o sulco fundo, você nunca mais ouviria minhas mentiras, nem você me pisa, você também. Meu pé pisa torto, eu também.


O dia de conversar com as pegadas. Um soslaio por cima do ombro, a sensação desesperada de ouvir o passado. Chorar as alegrias espantadas, redesenhar as noites tristes, magoadas dos afetos despedidos, nítidos os sorrisos de tanta certeza, e você ainda estaria me contando seus planos, seus sonhos. Nem você distinguia, eram meus aqueles olhos aguados da felicidade infértil, eu esquecido, eu vaidoso, eu enganado pela intensidade nos contaria, ninguém nos contou, eu não te toquei, não te agradeci tanta vontade, foi bem ali, a varanda, sol reticente, você também. Agora, nunca se sabe o momento, elas me contam, me cobram, o rastilho de remexer sentimentos, os segredos escondidos, espalhados na mesa, empilhados, cumprindo o descaso, cobrindo o enfeite, lá embaixo, guardado do medo, meu enfeite, nosso disfarce.


E viessem todas, sem máscara, e eu as soubesse iguais, mesmas. Eu imóvel imaginei esse dia disperso no tempo, preso no muro armadilha, vi vocês todas, todas e juntas. Confundi silhuetas, me deparei diante da enxurrada, nunca chegou, eu sim deveria nadar, fosse contra a corrente, fosse imundo o leito, mas te encontrasse, quando sem fôlego e suado de desistências, meus olhos espantassem as águas turvas e soprassem sua fonte de onde sairiam as emoções, todas fantasiadas nas dores a me atropelarem amiúde. Perdoe essas fugas a ver se me encontro, também me cansa a repetição, são aquelas, as dores, me dedilham em disparate, medo de me ver e inteiro, vivo picado.


Tenho também alegrias, me levam mais triste. É quando toco a pena, a caneta ainda guarda essa carta. Tem um pedaço de você que sou eu, por isso te escrevo. Te prego nas páginas e você ainda não leu. Te uso sem permissão, te entranho, estranho, espirro. Tratei um banco na sua praça, sento com o tempo indolente, venta sua imaginação quando, distraída, você me entrega, intriga apagada. Então te leio, por isto me escrevo.

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