Seu Azul de Olhos
Acordei de olhos e esqueci um sonho aceso, lá no dormido, calado em cifra, crescido em muitos tempos, em esquecimento das coisas de tecer aqui fora. Se de hoje me indago não refaço a sequência, perdi o ritmo, ressabiado talvez de razões. Lembro sentir em gosto pálido o passado, atingiram-me pedras enquanto recolhia flores, um canteiro fugiu pingando cores amassadas, uma estrada me atropelou no passeio, destino meio feito de pedras, outro de pétalas. Flutuei em espiral, subi contra o vento, sem peso, murchei lento. Permiti que uma mão anônima acariciasse meu rosto sem saber o calor da lâmina, desenha a face uma gota escorregadia, carente, enfeita-me apenas o céu em reflexo.
Um vento letrado em folhas antigas me invade, escuto emoções, ensurdeço, pequenos grãos ardem-me a vista, a boca desbotada, inquilina. Toco um ombro em passagem, me invade de fora do sonho. Um homem distraído, vertido em desejos ou medos, em coincidências de carregar-me ao vento, como foi. Pareceu longa a estrada quando me vi lá na frente, reparo não pus, troquei meu relógio e tomei horas alheias. Sim, cheguei, se fui em diminutivos, demorei em tantas entranhas, a mim não vi mais. Imaginei-me todo lúcido e caí naquela mesma calçada, onde a mágoa me encontra. Olhei-me inexistente e atinei o acaso rasgado, minha mão cortante não encontrou a face. Não me vi mais.
Não sei se ainda preso a algum sonho espalhado, vestiram-me olhos molhados de azul, enfrentaram-me, percorreram-me sensações forasteiras, rondaram-me o corpo em vai-vem, desamestradas, a parecer que me copiavam. Sonâmbulo, percorri o caminho inverso a ver quem contava o outro lado, no reverso da visão. Foi meu engenho, na mesma trilha que você pôs seu brilho tentei em contramão te seguir, marquei meu rastro com as folhas picadas de precisar outra volta, se fosse. Quando sai de seus olhos acomodei o foco a te assistir, o retrato de dentro exibiu uma voz tímida, cria da dúvida, dona da dor. Foi minha a lágrima em descida que você desviou. Foi meu o contorno do tempo que você perdoou.
Então te vi outra vez como havia. Costurava delicadezas e cuidados que vendia amiúde. O repartido de poucos bocados não se conquistava em primeiras visitas, de antes, lembrei da distância para chegar à varanda dos seus olhos, e, só então, merecer um soslaio.
Hoje a noite combinei com o sono que, por algum desencanto, me alague de escuros, espante todos os mitos, quero te encontrar dormindo e tatuar meu desejo em seu sonho, apagado do dia, quando minhas minucias ilustrarem apenas seu canto.