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Em leito esplêndido


Em leito esplêndido (imagem: Google) Salssisne

Trago a alma repleta de brincadeiras e artes de desatentar os medos. Entupido de seriedades, ainda percebo farsas em fantasias de carnaval, ou tragédias vestidas de história. Insisto a lida e fustigo passados. Busco origens a nos justificar tão medíocres. Esta carta encontrou-me entre tantas outras, em pesquisas, senão heroicas, em deslinde de banalidades e costumes de uma época, não soube precisar. Antes de lhes mostrar, contudo, retiro-me e poupo considerações aflitas ou irrelevantes, já que me ruboriza a semelhança e o vilipêndio.

"À prudência de Vossa Excelência, Conselheiro Régio, portanto apto a este tipo de labor, decidi permanecer no cargo a que tinha ascendido por umas questões de favores e credibilidades com Sua Majestade. Assuntos do maior interesse para a causa do reinado. Sendo nosso Soberano padecente de tremências noturnas, só se lhe acalmavam a alma os préstimos de criaturas que o Rei não teria como acolher em seus aposentos sem o concurso do Sr. Antônio da Pádua, esse mesmo servo ora ostentando a pena. À Sua Majestade não lhe fazia muita diferença os pormenores anatômicos e, desde que se lhe expusessem as reentrâncias adequadas, lá ia nosso Rei com o astronômico bastão tateando no escuro e, quase com a mesma certeza do sol nascente, encontrando os meandros consagrados. O eloquente governante, amparado pelas piedosas ilações das prudências legais, das quais era fiel depositário, concedia-se amplas experiências carnais, remido das aflições do mundano. Era este justamente o pesadume tributado a esse servo já designado. Outrossim, a carga exaustiva de trabalho acabou por arruinar as benfeitorias esperadas por D. Ana, esposa fidelíssima e ansiosa pelo concurso, mais que consagrado, deste promitente.

Unir o útil ao desagradável, devotar o cetro imperial aos anatômicos invólucros de D. Ana, produzindo assim os efeitos esperados pelas partes indulgentes, foi decisão peculiar e única naquele breu de não consumar olhares. Mas também há que se saber, como dito, que as vontades do Monarca não se discutem, e quis Sua Majestade se ver acariciado posteriormente com o bastonete desse serviçal. Logo se complicou o balé, maneava esse Pádua a enredar coreografias exatas de modo o Mandatário eclodisse em prazeres múltiplos e mudos e D. Ana assim se iludisse. E assim durou.

Esses pormenores edificaram grande constrangimento quando D. Ana pôs-se às claras sobre as tertúlias e exigiu os devidos reparos. Demandou em título definitivo a contribuição apenas do monumento real. A demissão foi apresentada em caráter servil, mas contundente. O assunto levado ao régio conselho, optando-se notoriamente pela manutenção da fórmula real, a despeito dos argumentos desse servo que já não tinha funcionando a contento o insosso instrumento, e vinha de sofrências ainda maiores, desde a destemperança a que se entregava D. Ana, consagrando-se sem economia ao vetusto cajado de Sua Alteza. Bem, Sr. Conselheiro, meto-me a ruminar preconceitos, a servir ouvidos aos lamentos das ruas, aos donos do poder este condão de expandir seus abusos e a nós a competência de permitir, inclusive gostar."

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