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Praça de cores e mentiras


Praça de cores e mentiras (imagem: Clara Meyer Cabral) Salssisne

Esquálido, no centro da praça, podia ver os três becos, metiam para dentro ou para fora quem assim preferisse. Quente e colorida, se dois adjetivos precisassem sua alegoria. O que a faz praça não é o formato regular, por onde brinca quem passa, assiste quem pode e pede. Aquela coleciona cantos, entende linguagens, imita os espaços lúdicos. Chega-se sempre refletido nas flâmulas, adornam todos os canteiros, encimando postes finos vestidos em fitas, permanecem de todas as épocas, de todos os formatos. Lamberam os ventos antigos que deixaram virtudes e pregaram lembranças. Puídas nas pontas e nas cores, ainda ludibriam, hipnotizam o olhar a sentir a casa que imita. Então o chegante esquece o passado e fica estático, naquele pequeno instante quando a flâmula escolhida tremula e descansa.

Folheando o chão, vê o labor espalhado em esteiras sujas, com brincos de penas, colares de contas, olhares de contar mentiras. A praça sustenta livre quem fica e flamula, enrola-se em panos e brinca de ires e vires aos extremos cambiantes. O chegante embrulha-se de amores e guarda a jornada. Ela comporta esticar, toma formas e não traça limites, não ergue muros. Apesar disso não é franca a entrada. Chega-se sempre por um dos becos que não escolhe. O beco possível, que só reconhece quando de dentro, suspenso no tempo, tomado das brisas, resolve olhar pelas costas dos olhos, quando o suor do esforço não negligencia a nitidez da imagem.

Assistindo o sol nascente, vira-se em sentido horário para coincidir vistas com quem vem. O primeiro beco é o mais largo e por ali chegam todos os que reconhecem a história, tomada de tantos, de conversas e ritos. Chegam onde já estiveram nos contos de cama pra dormir, nos ninhos das vivências de colo. O segundo é estreito e cheio de flores. Quem vem dali traz marcas no torso, tem o olhar desconfiado. Ainda carecem do rosto, das tatuagens no talhe a instigar os alívios. É o beco da busca, da trilha exaustiva, lamenta pavores, arranca ao avesso os corpos sofrentes e acaricia as feridas.

Chega pelo último beco a dúvida dos medos a se imitarem livres. Lampejam ideias tortas, rolam frágeis pelos primeiros barrancos. Inventam destinos que viram lamúrias, escolhem canteiros sem cores. O último aceita quem mente, empurra pra dentro as vozes dos refrões das solidões incertas que a praça espira. Pelo terceiro beco ninguém volta, como não saem as dúvidas. O único que prende a ilusão, impede o embuste, enrola nos fios de guia quem preferiu esconder os novelos para o próximo dia.

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