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Sentidos Alheios


Sentidos Alheios (imagem: Liliam Cristina) Salssisne

Pingar sentimentos quando a enchente vem lúcida, furiosa. Talvez seja esse o ritmo da paixão, esta disputa de segredos querentes. Não reconhecem donos, acenam em esquinas. Livro a cara de tantos. Faces do estranho, do espanto. Continuo caminhante em lugares de incomodar histórias. Vi cantorias poentes, mereci o lugar ausente de mergulhar nos alentos do amor apenas ouvido, desistido em penas de um corpo só. Mas percebi de longe quando se viraram lentos, cuspiram tanto mundo e se envolveram mútuos. Olhares tremeram sem pouso quando o êxtase encantou, firmes quando o susto fugiu. Eu a amansar escuros, penumbrando deserto, despido de ânimos. Eles a fustigar com o medo, sem receio, sem memórias de dor. Entorno a decadência do desânimo que deflagro em ausência de lutas, em mansidão de planícies de respirar o lento, de sentir o parco, o batido enfadonho de um coração envergonhado, covarde. Terra macia, suor contido por brisas, namoros esquecidos na leveza dos enganos, na supremacia da saudade quase distante, no som das emoções que já não escuto.

Ainda noto carícias suaves em querenças de volta, finjo distância, arremedo serenidade de gotas, acham-se escravas da bica e não entendem a lentidão da poça, a paciência fluida contornando lugares e gracejando formosa. Noto mãos em procura, trementes. Escuto as batidas do dentro de cada, sem distinguir barulhos, confundo com os meus ausentes, vibro também. Tocam-se, enfim, peles sensíveis, parecem não comungar o enredo explosivo que brota íntimo. Já gozei esse apelo, essa vontade dúbia de entrar em outro e ao mesmo tempo se tocar de respiros tontos, de roçar tão leve, bocas ainda secas, o não saber, o arroubo dos sonhos a imaginarem-se únicos. Esqueci o viver, corro em mim por entranhas, deveria reconhecer e guardei para um momento de desconhecer outros. É a mão dele que rejeita aquele fino cordel de cabelo a separar o beijo, demora ansioso por adiar, guarda a tensão aflita, ainda apreensiva, ávida de minúcias, de destoques, de entender como esconder em lábios toda sensação dessabida. Dela consigo perceber os olhos fechados, a mão que se solta e encontra um pedaço de rosto, rasga-lhe o cabelo em trilhas macias, encontra uma nuca que se perde e volta, suspiros de ouvidos, o arrebento de alegrias contidas, mas sabem-se já, o beijo ansioso do toque.

Desvio olhares para minhas solidões pacíficas, desquero a sentença do suicídio das paixões desentendidas, escapulidas, escorregadas de minhas mãos querentes e de um coração livre e inadimplente, demais. Queria voltar a cada ouvido e me sussurrar, a cada boca e me demorar, a cada corpo e me abraçar. Cada olhar olharia em carinhos, frutos doces da profundidade de entender sentidos. Diria em lágrimas o que seriam as alegrias perdidas, sabidas em um tempo de não voltar, mudas de época, transbordantes de querer amores completos, seriam. Nele morei, ele em mim fez abrigo, com chegos de não sair. De costas vejo pés a dar aos calcanhares, escuto emoções, brota um sorriso antigo.

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