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Marcelo Pimenta

Assombro de tantos


Em leito esplêndido (imagem: Google) Salssisne

Cumpro o ritual de chegada e aguardo. Vem de lá o compadre, para sempre seja louvado! Marcha batendo as mãos na calça de modo iludir o sujo. Não consegue e me entrega o pulso para chacoalhar. Seguro firme e malgasto o abraço. A casa confunde-se com jabuticabeiras, o paiol, curral e uma bica com vasilhame, panelas pretas de fogão a lenha, areadas na forma do costume. Mais abaixo, o outro braço da água de bica move um moinho de milho. Me aponta a porta da sala e grita a Maria, é para coar um café. Entro. O chão grita em vermelho brilhante. Ofereço o sofá e já tira do bolso um pedaço de fumo e o canivete. Aprecio as mãos que tripudiam daquele manejo complexo. Ainda clamando da Maria pelo café, bota o cigarro na boca e a binga em cima. Na primeira fumaça já se desculpa pelo incômodo de ter este bocado de prosa tão urgente. Conheço este jeito dele de voltear a conversa antes do remate.

É caso de assombração mesmo, conclui ele maneando a xícara vazia. Levanta, anda de lá e volta, as ideias não conseguem fazer trégua com o alvoroço. Já convencido a se sentar, acalma-se e voltamos ao caso de tanta algazarra na família. Pois me conta que bem à noite, depois de tudo dormido, começou o barulho na janela. A Maria acordou primeiro e deu o alarme. Disse o cumpadre que se assustou, que é isto, Maria? Tá de tremelique por quê? O silêncio ouvia o barulho, disse ele. Enquanto razoava com a mulher eram só os dois a incomodar a calada. De onde vem isso? O curral eu fechei, não pode ser criação. Ele passou a mão na garrucha meio frouxo, fez o pai nosso e saiu pela frente.

E é que esses casos não encontram vazão nos conhecimentos, garantiu ele, não tenho medo de homem, mas assombração não é ninguém, é fumaça do passado a clamar com os vivos, resmungou. De fora aprumou o olhar, costumou-se com o escuro, a distinguir o existente dos empacados no mundo do entremeio, por não dar conta de subir, ou descer, de acordo com o rol de pecados. Não viu mais que coisa alguma quando começou a gritaria, enfezada para fora, de modo espantar o medo e o resto. Depois ficou o remanso e o compadre fazendo pinta de brabo. Aqui não tem encosto a tripudiar com vivente, falou para uma Maria esbugalhada. Disse ter visto o rabo do tinhoso quando sobrou na esquina do curral. Ele folgou a toada para não fazer desfeita. Foi este o relato. Senti uma ponta de gabo, mas assuntei os pensamentos e considerei elogiar o valor. Já de saída vou com o vai com deus da Maria e a molecada em reserva. Olho para trás e vejo a cerca do curral em fresta e um novilho negro ruminando vento, notei em claridades que sombra não tinha, surrupiada pelo pretume.

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