Momentos fugitivos
Em pouco tempo estarei dormindo ou louco. A boca despede, dissimula e cala. A distância entre nós desvanece o som, distorce. Existe agora, como sempre, uma estrada sinuosa, um cume alto de montanha, separa os traços do que seríamos. Sigo atrapalhado em cismas e angústias, consomem a energia da viagem. Não me espere. Vou tropeçando em troncos, pedras e buracos, logrando a ideia arriscada. Você chegará encantada do mundo inventado e me verá longe. Terá a impressão da vontade esgotada, a certeza do tempo perdido, da teimosia frustrada. Não me espere muito.
Os caminhos do desencontro são miragens planas e o vento sopra palavras, desatinam seus ecos. Então você me verá em dúvidas contidas e aparência assustada. São traços que contariam tramas obsessivas, levariam aos atalhos íngremes, onde trafegam as decisões trancafiadas. Vigiadas de dia, escapam por senzalas vazias e voltam para o mesmo lugar. Preso ao que sou, livre ao que é. Escape em decisões impulsivas, brinca em canteiros de cores. Quando te pegarem as lembranças, não fuja, corre na farsa que somos, chora por não me ver a seu lado.
Estarei perto, em algum pesadelo vadio, torturando desejos em pelourinhos de engano. Tentando alegrias fugazes e jogando para o dia seguinte. Cansado, sentarei em pedras agudas, beberei o pó trocado por momentos perdidos. A vereda parida me levará aonde já sei, ao dia atrás de outro dia, até te ver longe, trilhando caminhos possíveis, revezando em pontes lúdicas, divertindo-se com tantos que trançam. Não olhe para trás. Estarei preso em algum caminho escondido, terei a certeza que conduz os escravos. Não me veja embrenhado em touceiras, os braços arranhados das picadas que vivo. Se me perdi em toadas cansadas, continua por suas tristezas livres. Não me descubra perdido.
Deseje-me em velas e taças, dispa-se em lençóis brancos, onde deveria te querer excitada, prenha de fantasias cobradas. Chegarei a meu cume sozinho, abraçarei ventos de glória, sentarei cabisbaixo de lágrimas, sentirei a vingança do medo. Não te terei sorrindo a meu lado. Verei outra curva distante, pois não sou mais que a partida dos mesmos começos. Não me espere. Chegarei exausto e envolto em mim, será muito tarde e no escuro do quarto ansiarei a manhã repetida. Servirei os demônios que vivo. Só assim existo.