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Saudades de Conta


Saudades de Conta (foto: Marcelo Pimenta)

Sobrevivo entre saudades. Furto de cada encontro os desencontros, parto em ladeiras fingidas, corro entre pedregulhos e lamas de um asfalto encharcado, nutrido em sortilégios. O ânimo partiu e esqueceu um corpo sofrente das nostalgias de lembranças. Como se mede a saudade? Essa sensação do ocorrido em voltas e idas, o arbítrio do passado em reflexos de futuros incertos, o aparto do tempo em espaços de angústias descrentes de si.

Meu ânimo lá está, exausto de saltos de emoções, entregue ao que virá e não sabe. Nada conta, tropeço em silêncios a prender ofícios, perco-me em aflições virgens, a mim parecem escondidas em jogo infantil. Troçam, trançam, enganam-me em festejo de sofrer dentro, lá onde o esquecimento conversa.

O corpo emudece cá. Vejo-me em andanças inúteis, maltrato o parar, indago manhas caducas. Com nada costumo, o sono da fadiga não me consome. Atento ao extravio do junto, choro apenas. Um pranto sem dono, sem fim, seco, um grito insonoro. Tristezas terminam quando se apagam as luzes do desencanto. E quando breu é que há? Quando as lágrimas jorram em desprezo de ficar?

Peregrino insensato as ladeiras de insânias, o arfar inútil do não chegar. Consulto mapas opacos, fraudam olhos entediados, surrupiam o zelo. Quero me colidir em identidade, em sensações que reconheça, em amores legítimos e gozos sinceros, intensos. Espalho mágoas em sofrências anônimas, são minhas e não cativo o enlace, escondo a tenência. Preciso me grudar, seja feio, belo, seja qualquer, imite alguém em afeto de si.

Esta noite sonhei que me tinha. Tive a sensação de ser corpo e sentidos no mesmo espaço. Perdi, em alegria contida, os tempos de exílio. Na cama vazia abracei quimeras vestidas de gente, diverti-me em um sono de conchegos e carinhos. Acho que amei. Trancei pernas macias, deambulei por um corpo festeiro, beijei uma boca suave, contou-me a esquina escondida, perdoou-me dos medos intactos. Foi um conforto de dentro, como se uma brisa soprasse leve, íntima, e me suspirasse, a brincadeira do amar só. Quis aquilo e nada mais. Iludi sonhos em trapaças, fugi de acordar só, comigo, a pegada invertida.

A janela levemente aberta, a luz me encontrou perversa, fugi do dia e me escondi em cantos, passei horas em luta deserta contra nada. Desejei mais que nunca aquele momento difuso a desvendar os entulhos, achei-me em paz de alentos, entre braços de gostar, muito. Senti um carinho leve na face, então sorri para a noite, para a cama de sabores, despistei realidades e me vi. Estava entre saudades.

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