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Cecília


Cecília - Foto Marcello Vilas Boas

Demorou a criancice naquela ponta de aterro, cafundó do Judas, onde os caminhos apagados iludiam, piscavam a ela instantes de ideias tímidas. Escondia-se em canto chorado, cacos da vida que não a suportava. O corpo costumou em sujices, em parecença indomável, manias de descontaminar sua essência. Esta ela costurava amiúde, nas contradições que deveriam minar o revés emplacado no nome malquisto, nas conspirações aninhadas em expectativas maternas, conluios confusos a rebentarem em flores desacostumadas. Cresceu em menino de brincadeiras sozinhas, de piolhos e pulgas, poças de lama, de esconde-esconde do nada, corre de ventos, parecendo a todos um modo clandestino de bem tratar o descaso da gênese. O desvario de dedos inocentes risca o ar tateando a urgência magoante.

O dia apertado abusou da menina, afanou o ânimo em miragens histéricas. Ela a dividir amizades sinceras com as esquisitices do caminhar torturante, da fuga por atalhos que a possuíam. O duelo perene entre o íntimo e o possível enganou com doçura a contramão lavrada. O desvelo inquieto a saltear seriedades tramou o dia em festejos, em desejos, lúdicos ainda.

Cecília não decifrou como seu o espaço entregue à antipatia do destino comum. Fez brilhar outros mundos, contagiou arteira as regras miúdas a envenenar o querido, trapaceou os domingos de missas, conheceu imundices malparidas e comentou a descoberta dos mistérios a distrair diferenças. Forjou a mulher conquistada, ausente dos sonhos obscuros e dos cultos impregnados. Sentou-se em bancos de praça, enxergou o delírio das paixões no passeio de todos, nos canteiros cansados, nos bares de tantos.

Soube-se longe sem partir, escapuliu em frestas do mesmo lugar. Quando correu para si já sabia a mulher que não seria, abraçou-se em valentias de compor emoções e rasgou as fantasias da coerência difusa a desapontar alegrias. Pareceu afastada a ponta do aterro quando, antes de desfazer-se da imagem, contemplou o presente passando. Nasce Cecília de retalhos remendados ao mundo, inquieta, sensível, sentida, ávida dos espaços sinceros, brutos que sejam, divertidos, diversos da origem enganosa perdida em passos pequenos, em paciência dissimulada, em aflições e vontades. Vence sozinha a querela gêmea, a contradita do medo, acena distante a mão que quer perto, perde, cativa. Ama explosiva o novelo enguiçado da vida.

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