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Marcelo Pimenta

Desencontro


Desencontro (imagem: Marcelo Pimenta) Salssisne

Esmago versos. Versões do mesmo caminho. Piso plural, destoo momentos. Insisto discreto sabendo que já andei por aqui. Esses traços trêmulos conheci amiúde, travando comigo a tentativa difusa de beber o dentro e inundar de interiores quem só da casca faz fato. Já te vi, não soa estranheza. A memória amolece quando não quer dar trela e a andança alui temerosa, os passos encovados parecem levar para trás. Continuo deslindando, vagaroso. Você em andejo leviano, como afligindo a paciência melancólica da dianteira do que não vemos passar. Pura ilusão de corrida, quando voltamos sempre ao mesmo banco de cismar tolices, à mesma esquina invulgar.

Te vi entre estantes, procurando os mesmos livros. Eu a ler capas, você orelhas, chegamos a tempo de tocar mãos, de intimidar precedências. Nos deixamos escolhas. Te procuro lendo, aprendo escrevendo em seu corpo para não esquecer. Enxugo suores, te refaço com claridade alagada de olhares. Deixo para as ruas sujas o despeito desamparado que foi seu atalho. Invento novas poeiras a irritar seus olhos, caduco o futuro antes. Entulho seu ânimo das prendas nunca imaginadas, das faces do mundo desatentadas, da mania de dores alheias que não te existiram. Faço de você o revés de equilíbrios e felicidades contadas. Mostro a repugnância de todos, a distância do justo, o desastre fraterno do amor recusado.

Você já me assustou em pileque, em alguma mesa titubeante, em passeios desequilibrados de gente penumbrando em razões. Em revivências brotadas de sustos, você me descontou o sabido nos entendimentos do porão da cabeça, então entendi tudo. O fato revisto, não quis mais a sobriedade embaçada, mas sabia beirando consciências. Rasguei papéis, rabisquei para me recontar as mentiras que você manipulou em sentidos, na simplicidade da origem. Agora só te devolvo o contado. Vivemos deste desempate curioso, nos cresce e agita.

Foi sempre assim. Já me confundi com você quando roubei pelos muros, quando assombrei quitandas, lambuzei marmeladas. Você sempre correu à frente, acalmou olhares de morrer de arrepios, arredios da folia. Te segui, me escondi em sua sombra de desmedar escuros, de buscar os eternos em espelhos de reflexos cansados. Semeamos preguiças e impaciências. Tramamos o mal-estar que aflige, explodimos em urgências arteiras. Tudo ao avesso, ao passado, até descobrirmos, quietos de sono, longe de sonhos, o mesmo desejo de nos igualar em corpos e tinos, de nem sei quem sou, nem sei quem é.

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